30.7.03
Plano Marshall em Moçambique
O particularismo da colonização portuguesa de Moçambique pode ser aferido pelo facto nada despiciendo, embora ainda não completamente justificado, de a colónia do Índico ter sido o único território ultramarino português a beneficiar de importantes investimentos ao abrigo do designado Plano Marshall. Apesar de ausente das mais importantes conferências internacionais que ergueram a nova ordem económica internacional do período do segundo pós-guerra — como a Conferência de Bretton Woods, ainda em 1944, que criou o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD), ou a Conferência de Genebra, em 1947, que originou o Acordo Geral sobre as Pautas Aduaneiras e Comércio (GATT) — Portugal, que não tinha sofrido destruições de guerra, conseguiu obter, em 1947, uma pequena fracção de ajuda económica do Plano Marshall. Dessa forma, o governo português contraiu empréstimos de cerca de 54 milhões de dólares, dos quais 40 milhões foram aplicados no território continental e um pouco mais de 25% (14 milhões) foram investidos em Moçambique. Está por esclarecer cabalmente a natureza selectiva deste investimento, mas é de supor que parte substancial desse montante tenha sido aplicado no conjunto de infra-estruturas ferroviárias e portuárias de Moçambique, no pós-guerra não apenas para servir ao escoamento dos países limítrofes (África do Sul, Suazilândia, Rodésia), — a única vocação que lhe parecia destinada até então — mas também para ampliar a malha ferroviária no interior do próprio território e consolidar as estruturas portuárias: data do início da década de 50 o prolongamento da linha de Xinavane e do Limpopo, a ligação de Lourenço Marques a Malvérnia — junto ao triângulo fronteiriço Moçambique-África do Sul-Rodésia — cruzando todo o sul de Moçambique, o estabelecimento do complexo portuário da Matola, a criação de uma zona industrial nesta localidade vizinha de Lourenço Marques, entre muitos outros investimentos do mesmo jaez destinados a incrementar o fomento comercial e industrial da colónia no pós-guerra. Moçambique começava então, para glosarmos um conceito tomado de Ricardo, a deixar de ser uma colónia «rentista» para passar a ser um território rentável: até ao período da 2ª Guerra, a economia colonial moçambicana tinha ganhos acima do nível do seu Produto Nacional Bruto, por via das rendas resultantes da alienação da força de trabalho indígena nas minas do Rand e do aluguer dos serviços portuários e ferroviários, ambos sobre-rendimentos de origem externa que não advinham do desempenho da sua estrutura produtiva mas sim resultantes do controlo de recursos de natureza não-exclusivamente económica proporcionados por uma situação geográfica muito particular e uma conjuntura política não menos específica; no pós-guerra, a esses rendimentos juntaram-se os disponibilizados pelo desenvolvimento, senão mesmo estabelecimento, da sua estrutura produtiva industrial e um conjunto de importantes medidas de apoio ao sector primário. Nesta fase rentável, o regime procurava reapossar-se da economia colonial, um intento já pugnado no Acto Colonial de 1930 mas que, no respeitante a Moçambique, teve uma aplicabilidade limitada pela natureza subordinada da economia colonial moçambicana face à África do Sul e outras colónias britânicas na África Austral. Dessa forma se entende o reforço de investimentos na colónia através de dotações do Plano Marshall, ímpar no contexto do espaço colonial português. Sem abdicar dessas importantes fontes de rendimento — a venda de mão-de-obra indígena e a prestação de serviços ferroviários e portuários — o regime aposta no desenvolvimento do sector primário e, sobretudo, no crescimento do sector secundário, numa tardia re-assumpção «nacionalista» dos ditames do Acto Colonial de 1930, como é reconhecido por um dos principais mentores dos tão propalados «Planos de Fomento» que animaram a economia colonial moçambicana por toda a década de 50 e 60: «… o crescimento industrial que ocorreu nos territórios ultramarinos, particularmente em Moçambique, é colhido com agrado, especialmente porque está ligado à economia e aos interesses nacionais…» [Manuel Pimentel dos Santos (1956), A Indústria em Moçambique].
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