26.8.03
Uma ciência imperial - III
O apelo colonial deve ser entendido — pelo menos do ponto de vista científico — como uma «crise de crescimento» inerente ao próprio desenvolvimento da Antropologia portuguesa e é inegável que a autonomização da Antropologia académica em Portugal resultou desse apelo. Em vez de ser julgada como um anátema da Antropologia portuguesa, a situação colonial deve ser entendida como o processo catalisador que proporcionou um ímpar salto qualitativo aos estudos antropológicos em Portugal: a sua aplicabilidade e a sua autonomização científica e académica.
Foi na sua vertente antropométrica que — acompanhando um movimento geral e comum a toda a Europa da segunda metade do século XIX — a Antropologia portuguesa começou por testar a sua aplicabilidade. Talvez que sensibilizado pela realização em Lisboa, em 1880, do «IX Congresso Internacional de Antropologia e Arqueologia Pré-Histórica», o Ministério da Marinha e Colónias dirigiu, por toda a década de 80, instruções ao pessoal sanitário e administrativo das colónias determinando a observação e relato de diversas características físicas dos «indígenas», como a circular de 1885 que solicitava a colecta de crânios humanos e seu posterior envio para a metrópole, onde deveriam ser classificados e estudados. Dever-se-á ter presente que, nesse mesmo ano, tinha sido criada na Universidade de Coimbra a primeira cadeira de Antropologia, entregue à regência do médico — e futuro Presidente da República — Bernardino Machado. Mesmo alguns dos autores que na viragem do século acompanhariam Leite de Vasconcellos no lançamento dos estudos etnográficos e etnológicos em Portugal tiveram necessidade, em diversos momentos, de se reportarem a esses aspectos «práticos» da Antropologia Física das colónias: é o caso de Francisco Adolfo Coelho que numa obra de 1893 [Os Povos Extra-Europeus e em especial os negros de África ante a Civilização Europeia] manifesta a sua adesão aos princípios de um «evolucionismo positivista»; ou de Teófilo Braga que em artigo de 1908 [«O que são as raças sociológicas», Trabalhos da Academia de Sciências, 1ª série, tomo I] estabelece uma distinção radical entre «raças biológicas» e «raças sociológicas». Poder-se-ia, ainda, evocar a prolixa obra de Joaquim Pedro de Oliveira Martins, ponteada de referências antropométricas, para comprovar essa crescente aplicabilidade das ciências antropológicas portuguesas no terreiro colonial. Tal tendência acentuar-se-ia, nos anos que se seguiram à instauração do regime republicano, com os levantamentos de Pires de Lima no Norte de Moçambique. Américo Pires de Lima era médico do Corpo Expedicionário Português que actuava no Norte de Moçambique contra os alemães do Tanganhica durante a guerra de 1914-1918. Aproveitando a sua estadia na colónia, entre 1916 e 1918, e fazendo jus à sua «especialidade» em Antropologia, procedeu a inúmeros levantamentos antropométricos entre as etnias do Norte de Moçambique. O relato da sua experiência no Norte de Moçambique pode ser encontrado em Na Costa d’África. Memórias de um médico expedicionário a Moçambique, (1933). O principal estudo resultante da sua actividade antropométrica na colónia data, contudo, de 1918: «Contribuição para o estudo antropológico dos indígenas de Moçambique», [Anais Científicos da Faculdade de Medicina do Porto, vol. IV, (3)]. Terá sido, porventura, o primeiro antropólogo a fazer trabalho de campo entre os macondes moçambicanos. Mas o maior envolvimento sobreviria já na vigência do Estado Novo [por força do Decreto-Lei n.º 34478, de 3 de Abril de 1935], com as dezenas de «missões antropológicas» que o Ministério das Colónias patrocinaria entre 1935 e 1955 em Angola e na Guiné (por Alfredo de Athayde), em Timor (por Mendes Corrêa) e, sobretudo, em Moçambique (por Santos Júnior).
Foi na sua vertente antropométrica que — acompanhando um movimento geral e comum a toda a Europa da segunda metade do século XIX — a Antropologia portuguesa começou por testar a sua aplicabilidade. Talvez que sensibilizado pela realização em Lisboa, em 1880, do «IX Congresso Internacional de Antropologia e Arqueologia Pré-Histórica», o Ministério da Marinha e Colónias dirigiu, por toda a década de 80, instruções ao pessoal sanitário e administrativo das colónias determinando a observação e relato de diversas características físicas dos «indígenas», como a circular de 1885 que solicitava a colecta de crânios humanos e seu posterior envio para a metrópole, onde deveriam ser classificados e estudados. Dever-se-á ter presente que, nesse mesmo ano, tinha sido criada na Universidade de Coimbra a primeira cadeira de Antropologia, entregue à regência do médico — e futuro Presidente da República — Bernardino Machado. Mesmo alguns dos autores que na viragem do século acompanhariam Leite de Vasconcellos no lançamento dos estudos etnográficos e etnológicos em Portugal tiveram necessidade, em diversos momentos, de se reportarem a esses aspectos «práticos» da Antropologia Física das colónias: é o caso de Francisco Adolfo Coelho que numa obra de 1893 [Os Povos Extra-Europeus e em especial os negros de África ante a Civilização Europeia] manifesta a sua adesão aos princípios de um «evolucionismo positivista»; ou de Teófilo Braga que em artigo de 1908 [«O que são as raças sociológicas», Trabalhos da Academia de Sciências, 1ª série, tomo I] estabelece uma distinção radical entre «raças biológicas» e «raças sociológicas». Poder-se-ia, ainda, evocar a prolixa obra de Joaquim Pedro de Oliveira Martins, ponteada de referências antropométricas, para comprovar essa crescente aplicabilidade das ciências antropológicas portuguesas no terreiro colonial. Tal tendência acentuar-se-ia, nos anos que se seguiram à instauração do regime republicano, com os levantamentos de Pires de Lima no Norte de Moçambique. Américo Pires de Lima era médico do Corpo Expedicionário Português que actuava no Norte de Moçambique contra os alemães do Tanganhica durante a guerra de 1914-1918. Aproveitando a sua estadia na colónia, entre 1916 e 1918, e fazendo jus à sua «especialidade» em Antropologia, procedeu a inúmeros levantamentos antropométricos entre as etnias do Norte de Moçambique. O relato da sua experiência no Norte de Moçambique pode ser encontrado em Na Costa d’África. Memórias de um médico expedicionário a Moçambique, (1933). O principal estudo resultante da sua actividade antropométrica na colónia data, contudo, de 1918: «Contribuição para o estudo antropológico dos indígenas de Moçambique», [Anais Científicos da Faculdade de Medicina do Porto, vol. IV, (3)]. Terá sido, porventura, o primeiro antropólogo a fazer trabalho de campo entre os macondes moçambicanos. Mas o maior envolvimento sobreviria já na vigência do Estado Novo [por força do Decreto-Lei n.º 34478, de 3 de Abril de 1935], com as dezenas de «missões antropológicas» que o Ministério das Colónias patrocinaria entre 1935 e 1955 em Angola e na Guiné (por Alfredo de Athayde), em Timor (por Mendes Corrêa) e, sobretudo, em Moçambique (por Santos Júnior).
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