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29.8.03

Uma ciência imperial - IV 
A crescente autonomia académica da disciplina antropológica em Portugal pode ser referenciada à sua crescente intervenção no terreiro colonial. Depois da criação da cadeira de Antropologia na Universidade de Coimbra, em 1885, a disciplina foi ganhando lugar cativo nas faculdades de Ciências e de Medicina, entregue, regra geral, à regência de médicos, uma vez que se orientavam os estudos quase que exclusivamente para a vertente antropométrica. A sua aplicabilidade nas colónias, exercida ao longo de múltiplas campanhas de investigação que, por norma, eram dirigidas no terreno pelos mesmos investigadores que regiam as cadeiras nas universidades, foi concorrendo para uma nítida elevação do estatuto da Antropologia. Depois do Museu-Laboratório Antropológico, na Universidade de Coimbra, a Universidade do Porto criou na Faculdade de Ciências o seu Museu e Laboratório Antropológico, fundado em 1914, à sombra tutelar do qual se abrigaria a Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnologia constituída em 1918 por António Augusto Mendes Corrêa e Américo Pires de Lima, entre outros. O nome da Sociedade trai uma divisão fundadora no campo das ciências antropológicas em Portugal: de um lado a Antropologia, entendida como o estudo do homem «físico»; do outro a Etnologia, entendida como o estudo do homem «cultural e social». Todavia, esta segunda vertente esteve praticamente ausente nas intervenções em terreiro colonial durante a primeira metade do século XX, da mesma forma que era quase que completamente omissa nos programas curriculares das cadeiras de Antropologia entretanto surgidas. A este propósito poder-nos-emos inquirir sobre o facto de a brilhante geração de Leite de Vasconcellos (com Adolfo Coelho, Teófilo Braga, Consiglieri Pedroso e Rocha Peixoto, entre outros) não ter originado a criação e fixação de cadeiras de «Etnologia» nas universidades portuguesas, apesar da excelente produção resultante. Parte da resposta a esta questão deverá estar relacionada com a ausência de uma dimensão «prática» ou, melhor dizendo, «utilitária» nos estudos etnológicos, desde sempre subvalorizados pela sua inicial conotação com o «folclorismo» e a «cultura popular», ao invés da Antropologia da primeira metade do século XX que, sobretudo por via das suas variadas assunções antropométricas, se associou à ideia de cientificidade e rigor, e, ademais, exibia um evidente «utilitarismo».

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