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22.9.03

Codificação dos «usos e costumes indígenas» - 2: o «Código dos Milandos Inhambenses». 
Em Moçambique a contemporização com os «usos e costumes indígenas» e as tentativas que lhe estavam associadas de regulamentação de um direito colonial provêm de meados do século XIX. O caso mais paradigmático é o denominado «Código dos Milandos» de Inhambane. Não se tratava, em boa verdade, da primeira regulamentação de «usos e costumes indígenas» em Moçambique, mas taõ-somente aquela que mais curso obteve. Em 12 de Maio de 1852 o Governador -Geral Joaquim Pinto de Magalhães, «tendo subido á minha presença varias queixas dos moradores do districto de Quilimane contra a illegal e insolita maneira, com que o capitão-mór das terras da corôa no referido districto tem decidido as questões cafreaes», nomeou uma comissão que «consultando os uzos, praticas e costumes cafreaes, em harmonia com o actual systema de legislação, proponha um regulamento que para o futuro sirva de norma para as decisões das questões cafreaes», (Portaria n.º 166, de 12 de Maio de 1852). No ano seguinte, estando concluído e aprovado o «Regulamento para o Capitão-Mór da Villa de Quilimane e seu termo», a Portaria n.º 393/A, de 4 de Junho de 1853, determinava a sua aplicabilidade imediata. Atente-se, todavia, que não era um regulamento de «questões cafreaes», como o «Código Cafreal do Districto de Inhambane», mas apenas um conjunto de disposições sobre o relacionamento jurídico entre as autoridades do distrito e as populações africanas no julgamento dessas questões. Uma portaria de 9 de Julho de 1855, emanada pelo Governador-Geral, mandava observar um «código de milandos» no distrito de Inhambane que, entretanto, nunca fora até então publicado. Tratava-se de um código de usos e costumes dos povos bitongas — população circundante de Inhambane — elaborado em 1852 por um conjunto de «moradores versados nos usos e costumes cafreaes» daquele distrito, «com o auxilio dos regulos bitongas Tembe e Inhampossa habitantes da villa, Inhampeta, Inhamotitima e Saranga habitantes da outra banda». O Codigo Cafreal do Districto de Inhambane foi concluído em 29 de Setembro de 1852, reconhecido pela secretaria do governo distrital em 15 de Outubro do mesmo ano, embora nunca tenha sido publicado e, ao que supomos, distribuído ou divulgado sob qualquer forma. Em 1884 este mesmo «Código dos Milandos Inhambenses» chegou ao conhecimento do Governador-Geral da província que o devolveu ao governador de Inhambane para ser justificada a questão de nunca ter sido aprovado pelo governo-geral da província, pois nunca fora enviado para a Secretaria-Geral. Esse mesmo despacho de 1884 nomeava nova comissão para o ordenamento de um novo Código, o qual só ganharia letra de forma ao ser publicado em 1889 sob a designação de «Código dos Milandos Inhambenses (Litígios e Pleitos)», agora devidamente sancionado pela Portaria Provincial n.º 269 de 11 de Maio de 1889. Não seria essa, de todo o modo, a última elaboração do Código. Em 1908 conheceria ainda uma outra versão, mais completa, sob a designação de Projecto de Regimento de Justiça Cafreal ou «Código de Milandos» do Districto de Inhambane». Todas estas vicissitudes do Código dão conta da forma titubeante, por vezes contraditória, em que se situava o pensamento e a acção colonial na segunda metade de Oitocentos. Entre Sá da Bandeira, o grande arauto da causa liberal durante o século XIX e que em 1873 fizera publicar O Trabalho Rural Africano e a Administração Colonial — onde, manifestamente, perpassa uma visão romântica das sociedades africanas e defensora da aplicação do art.º 145 da Carta Constitucional que pugnava a igualdade de direitos e obrigações de todos os cidadãos portugueses, independentemente da raça, cor ou religião — e António Enes, o implacável centurião, o «pacificador» de final do século que olhava os africanos como uma massa de ociosos que haveria que civilizar pelo trabalho [«…a quem só pelo trabalho pode entrar no grémio da civilização», (1893, Moçambique. Relatório apresentado ao Governo de Sua Majestade)], se inscrevem os vários entendimentos contraditórios do omnipresente conceito português da assimilação.

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