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27.11.03

A codificação dos «usos e costumes indígenas» - 13: conclusão. 
Aqui chegados poder-nos-emos inquirir sobre as razões do insucesso de todas essas iniciativas de codificação dos «usos e costumes indígenas», tanto mais que, pelo menos para o caso de Moçambique, a insistência foi quase que permanente se comparada com as outras colónias portuguesas. Estamos em crer que o motivo determinante que explica esse malogro em Moçambique até 1941 foi a inexistência no território de uma estrutura administrativa unificada. Importa lembrar que a possessão na costa oriental de África foi nos primórdios da presença portuguesa uma dependência administrativa do Estado da Índia, se exceptuarmos o período em que o rei D. Sebastião, em 1569, dividiu aquele Estado em três governos autónomos, entregando o título de governador para a Conquista das Minas do Reino de Monomotapa a Francisco Barreto. Perante o fracasso desse objectivo, a partir do último quartel do século XVI a costa oriental, com todas as suas capitanias, voltou a ser uma dependência administrativa do Estado da Índia. Um decreto de 1752 desligou-a de novo da órbita de Goa e foi constituída em Capitania-Geral de Moçambique, Rios de Sena e Sofala. Perante o permanente conflito com os povos de origem Nguni no sul da colónia, um decreto de 31 de Outubro de 1838 criou o governo independente de Inhambane, compreendendo os distritos de Inhambane, Sofala e Lourenço Marques, situação só completamente ultrapassada em 1891 pela reforma administrativa que criava o Estado da África Oriental, passando a sua administração a ser confiada a um comissário régio que deveria residir alternadamente em Moçambique (ilha) e Lourenço Marques, sede das duas províncias em que o seu território era dividido [importa recordar que a Ilha de Moçambique só deixou de ser capital da colónia em 1898, elevando-se nesse ano Lourenço Marques a essa categoria]. Entretanto, desde 1838 que o destino económico de Moçambique estava a ser traçado no sentido da alienação do território a interesses e capitais privados como forma de equilibrar um orçamento sempre deficitário e garantir uma ocupação minimamente credível e eficaz. Sá da Bandeira autoriza e incentiva nesse ano a fundação da Companhia da Agricultura, Indústria e Comércio de Moçambique, a primeira de uma série de companhias majestáticas ou privilegiadas que em Moçambique se substituiriam ao Estado português nas parcelas de território que lhes eram atribuídas, administrando-as economica e socialmente. De todo o modo, em 1918 Moçambique era ainda uma manta de retalhos administrativa em que menos de 50% do território era directamente gerido pelo Estado português, enquanto a administração do restante território era, desde o final do século XIX, da responsabilidade de empreendimentos de capital privado maioritariamente estrangeiro. O curso das designadas companhias majestáticas em Moçambique já aqui foi descrito em anteriores posts, mas compete recordar, e agora com plena pertinência, que o contrato da Companhia do Niassa, no norte da colónia, só expirou em 1928 e o da toda poderosa Companhia de Moçambique, no centro, apenas e precisamente em 1941. Com alguma certeza se poderá afirmar que Portugal apenas ganha posse plena do território nesta última data, até porque na altura das concessões iniciais, coincidente com o período da «ocupação efectiva», uma parte muito apreciável do hinterland da colónia não estava sujeita a nenhum exercício administrativo real e foi esta mesma situação que justificou a alienação de tão importantes parcelas do território a companhias majestáticas. Só no início da década de 40, portanto, é que o Estado português poderia em Moçambique, com propriedade, consumar um desígnio que já levava, na altura, mais de um século de titubeante e arrastada existência: codificar os «usos e costumes indígenas».

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