12.11.03
A codificação dos «usos e costumes indígenas» - 11: o Acto Colonial do Estado Novo.

Pouco depois da integração do Acto Colonial na Constituição foi lavrada em 1933 a Carta Orgânica do Império Colonial Português, cujo capítulo VII, «Dos Indígenas», além de lhes conferir as «garantias» já presentes no Estatuto e consagradas no Acto Colonial, instituía a protecção dos «indígenas» como um dever, não só das autoridades administrativas, mas também, uma vez mais e em reforço do estipulado nas disposições anteriores, dos colonos que, em conjunto, «deveriam velar pela conservação e desenvolvimento das populações». Conservação e desenvolvimento, dois princípios aparentemente antitéticos mas que neste contexto queriam tão-somente significar a manutenção da perenidade de um «estado de civilização» enquadrado num modelo de desenvolvimento colonial. No seu artigo 246.º a Carta Orgânica reafirmava explicitamente, tal como o Estatuto e o Acto Colonial, o princípio da contemporização com os «usos e costumes indígenas» pelo que, nas colónias, os tribunais privativos — embora ainda a todos aplicando o Código Penal de 1886 — se defrontaram com a tarefa, diríamos árdua, de atenderem nos julgamentos a esse tal «estado de civilização dos indígenas» e seus putativos «usos e costumes privativos». Para o fazerem dever-se-ia, em primeiro lugar, conceber esse «estado de civilização», depois conhecer quais os «usos e costumes privativos» com que a instância julgadora deveria, no campo criminal, transigir, atendendo a que, como ordenavam as várias disposições legislativas coloniais, tal contemporização se exceptuava no tocante a actos «incompatíveis com a moral e ditames de humanidade». Ora, se o «estado de civilização dos indígenas» poderia ser arbitrariamente determinado e atribuído, o conhecimento dos tais «usos e costumes privativos», como temos vindo a comprovar, era praticamente inexistente. Estava aberto o campo para os alvitres mais subjectivos, servindo despudoradamente os interesses da dominação colonial.
[foto: «Inhambane. Depois do trabalho»].
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