31.1.04
«Missão Etognósica de Moçambique» -4: unificação do «direito gentílico».
Enquanto os estudos de Antropologia Física da primeira metade do século XX pugnavam pela afirmação exacerbada das diferenças, os estudos jurídico-etnológicos de Gonçalves Cota representariam uma tentativa de classificar os grupos étnicos de acordo com as suas semelhanças no que se referiria às estruturas familiares e às instituições jurídicas:
«Desde que, no campo da sociologia jurídica, o que interessa são propriamente os povos e as suas instituições, e não as raças e os seus caracteres somáticos, e, desde que os ditos povos se caracterizam especialmente pela sua morfologia social, pela sua unidade política, o seu direito e a sua ética, impõe-se-nos, como lógica, uma unificação de todas as sub-raças, tribos ou clans em que, porventura, se notem instituições idênticas, particularmente a da família, muito embora sejam díspares, entre uns e outros, a língua, a história, o folclore, a aplicação do trabalho, a indumentária e muitos outros dos seus usos e costumes». [J. G. Cota, 1946, Projecto Definitivo do Estatuto do Direito Privado dos Indígenas da Colónia de Moçambique, precedido de um estudo sumário do direito gentílico, Lourenço Marques, Imprensa Nacional de Moçambique].
Deste modo, nos seus estudos sobre o direito privado dos «indígenas» da colónia de Moçambique, Cota classificou as normas jurídicas das várias etnias em referência às estruturas familiares e de casamento e diferenciou entre populações de linha materna e paterna, bem como formas mistas de ambos os tipos de sociedade. Atendendo aos postulados ideológicos da política indígena portuguesa, expressa quer na legislação emanada desde o século XIX quer em textos «programáticos», em adaptar as normas jurídicas ao «estado evolutivo» das sociedades africanas, Gonçalves Cota, apoiando-se nas referências teóricas do evolucionismo do século XIX — sobretudo Henry Lewis Morgan e Johann Jakob Bachofen — julgava poder acreditar que o «matriarcado» das sociedades matrilineares representava um nível evolutivo anterior ao «patriarcado». Alguns anos antes, Joaquim Nunes [1935, «Apontamentos sobre os usos e costumes dos indígenas. O direito de sucessão e de herança de pessoas e bens», Boletim da Sociedade de Estudos de Moçambique, 4 (17), Lourenço Marques], igualmente preocupado com uma provável compilação de «usos e costumes», expressou fortes dúvidas relativamente à possibilidade de unificação das normas jurídicas, especialmente no que se referiria às regras de sucessão, muito diversificadas não só entre as diversas sociedades patrilineares do sul da colónia, mas também no interior de determinados grupos étnicos. Porventura nenhuma outra «questão indígena» do foro do direito privado originasse opiniões tão divergentes e pusesse em exercício práticas administrativas e judiciais tão contraditórias e inconstantes como o fenómeno do lobolo (dote da noiva). Sobre essas contradições dissertaremos em próximos posts.
«Desde que, no campo da sociologia jurídica, o que interessa são propriamente os povos e as suas instituições, e não as raças e os seus caracteres somáticos, e, desde que os ditos povos se caracterizam especialmente pela sua morfologia social, pela sua unidade política, o seu direito e a sua ética, impõe-se-nos, como lógica, uma unificação de todas as sub-raças, tribos ou clans em que, porventura, se notem instituições idênticas, particularmente a da família, muito embora sejam díspares, entre uns e outros, a língua, a história, o folclore, a aplicação do trabalho, a indumentária e muitos outros dos seus usos e costumes». [J. G. Cota, 1946, Projecto Definitivo do Estatuto do Direito Privado dos Indígenas da Colónia de Moçambique, precedido de um estudo sumário do direito gentílico, Lourenço Marques, Imprensa Nacional de Moçambique].
Deste modo, nos seus estudos sobre o direito privado dos «indígenas» da colónia de Moçambique, Cota classificou as normas jurídicas das várias etnias em referência às estruturas familiares e de casamento e diferenciou entre populações de linha materna e paterna, bem como formas mistas de ambos os tipos de sociedade. Atendendo aos postulados ideológicos da política indígena portuguesa, expressa quer na legislação emanada desde o século XIX quer em textos «programáticos», em adaptar as normas jurídicas ao «estado evolutivo» das sociedades africanas, Gonçalves Cota, apoiando-se nas referências teóricas do evolucionismo do século XIX — sobretudo Henry Lewis Morgan e Johann Jakob Bachofen — julgava poder acreditar que o «matriarcado» das sociedades matrilineares representava um nível evolutivo anterior ao «patriarcado». Alguns anos antes, Joaquim Nunes [1935, «Apontamentos sobre os usos e costumes dos indígenas. O direito de sucessão e de herança de pessoas e bens», Boletim da Sociedade de Estudos de Moçambique, 4 (17), Lourenço Marques], igualmente preocupado com uma provável compilação de «usos e costumes», expressou fortes dúvidas relativamente à possibilidade de unificação das normas jurídicas, especialmente no que se referiria às regras de sucessão, muito diversificadas não só entre as diversas sociedades patrilineares do sul da colónia, mas também no interior de determinados grupos étnicos. Porventura nenhuma outra «questão indígena» do foro do direito privado originasse opiniões tão divergentes e pusesse em exercício práticas administrativas e judiciais tão contraditórias e inconstantes como o fenómeno do lobolo (dote da noiva). Sobre essas contradições dissertaremos em próximos posts.
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