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31.7.04

Ordálios, oráculos e sortilégios no direito colonial português. 
No seu Projecto Definitivo do Código Penal dos indígenas da Colónia de Moçambique, de 1946, sob o título «Dos crimes típicos», 27 artigos do projecto de Gonçalves Cota (do artigo 66.º ao 92.º, num total de 126 artigos) são dedicados a crimes relacionados com magia e feitiçaria. No entendimento de Cota, os putativos feiticeiros eram mais vítimas do que agressores. Muitos dos «crimes gentílicos» de homicídio incidiam sobre «indígenas» acusados de matarem alguém que supostamente lhes teria, através da feitiçaria, provocado a morte de familiar ou qualquer outro dano de avultada gravidade, inaugurando-se, assim, um ciclo de retaliações e contra-retaliações com base em alegadas práticas de feitiçaria. Frequentemente, segundo Cota, o processo iniciava-se pela consulta a um adivinho que indiciava alguém próximo do «paciente» como estando na origem do mal ou males sentidos. Nestes casos, em que o desfecho poderia ser o homicídio, o adivinho deveria ser considerado responsável indirecto (através de incitamento dos acusados ao homicídio) ou mesmo directo (dando veneno a provar aos acusados, frequentemente com um desfecho mortal) pelo crime resultante:
«Art. 11.° Os adivinhos que, por suas artes, sortilégios ou declarações, influírem, directa ou indirectamente, no ânimo de alguma pessoa, para a determinarem na prática de qualquer crime contra aquele a quem o mesmo adivinho ou mágico haja imputado a responsabilidade por certo malefício, são considerados autores do mesmo crime».
No mesmo sentido, sob o título «Dos crimes cometidos no exercício da magia e da medicina gentílica», o art. 66.º explicita:
«O indígena que, exercendo o mister de herbanário, geralmente designado por nanga ou nhanga, ou qualquer das formas de magia adoptadas na Colónia pela população nativa, subministrar a outrem substâncias de efeitos tóxicos com o desígnio de obter uma suposta prova da sua culpabilidade ou inocência…».
As penas iam de um ano de prisão correccional, se resultasse apenas envenenamento temporário ou reincidência na sua prática mesmo sem que daí resultasse mal físico algum, a 12 a 20 anos de degredo, caso ocorresse a morte do ofendido.
Um tão grande empenho na regulamentação repressiva das práticas culturais associadas à feitiçaria e à magia só pode querer significar aquilo que, desde sempre, foi uma marca característica do colonialismo português: a assimilação cultural, enquanto processo agonístico de dominação e não como relação simétrica de permuta cultural.

7.7.04

Laura 

Para aqueles que aqui chegam pela mão do Aviz, aqui fica o nome. E, emocionado e agradecido, transcrevo:
«A VIDA QUE AGORA TE COMEÇA. Alfazema ou rosmaninho, amêndoa, flor de giesta, castanheiro, um dia ela reconhecerá esses perfumes, e talvez o do mar, o da terra, o dos pinheiros, de olhos abertos, de olhos fechados. Desaparecem de nós muitas coisas menos o nome que hoje te começa, ou te prolonga, ou te fica mais perto do coração».
Obrigado Francisco.

5.7.04

Magia, Feitiçaria e Colonialismo. 
Comummente, o colonialismo português atribuía ao conjunto nebuloso de «crenças e superstições peculiares da raça negra» a origem de todos os «crimes gentílicos» e, consequentemente, quando se tratou de definir as normas de direito penal relativas a esses crimes teve de diferenciar com precisão as várias actividades no âmbito da magia e da feitiçaria. Em 1944, no quadro da sua actividade à frente da Missão Etognósica de Moçambique (referida alguns posts atrás) José Gonçalves Cota tinha definido a magia como a globalidade dos ritos e práticas realizadas com actividade lucrativa, como a medicina tradicional, os oráculos ou mesmo a relacionada com o culto dos antepassados [José Gonçalves COTA, Mitologia e Direito Consuetudinário dos Indígenas de Moçambique, Lourenço Marques, Imprensa Nacional de Moçambique]. No articulado do código penal proposto o seu entendimento não vai em sentido diferente:
«Art. 72.° (…) entende-se por magia dos negros da Colónia de Moçambique o conjunto de ritos e práticas que certos indígenas, supostos possessos de demónios, usam a título lucrativo, com o fim de, pela interferência de almas de antepassados dos clientes ou dos espíritos seus possedores, prescreverem a terapêutica a seguir nas doenças, adivinharem acontecimentos futuros, causas misteriosas de acontecimentos pretéritos e de removerem os infortúnios das pessoas».
Cota preocupou-se, ainda, em diferenciar a feitiçaria da magia, como, de resto, já o tinha feito em Mitologia e Direito Consuetudinário:
«Independentemente da arte dos magos, há pessoas a quem se atribui o dom de produzir malefícios e raras vezes benefícios por meios materiais. São os feiticeiros (noyi). A eles se imputam, frequentemente, as causas das doenças nas pessoas e nos animais domésticos, assim como insucessos agrícolas. Mas ninguém os viu até hoje actuar, nem isso é mesmo possível… O feiticeiro ou feiticeira leva a doença, a morte, qualquer infortúnio, a alguém por mera acção espiritual».
Preparava-se assim o terreno para a definição da moldura penal que recairia sobre esses «nefandos crimes gentílicos». Pela via legalista, mas também repressiva, o colonialismo não deixava de buscar a dominação cultural, esmagando qualquer marca de diversidade e afirmação identitária.

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