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19.11.05

As escolas técnicas de Lourenço Marques. 
Na sua obsessão segmentária, classicista e racista, o regime colonial procurava ultrapassar a contradição essencial entre colonizados e colonizados. Na sua fase tardo-colonial (após 1959) o regime tentava obter a cumplicidade de outros sectores da sociedade colonial, em primeiro lugar a dos africanos assimilados, mas também a dos mestiços e das comunidades asiáticas. Naturalmente, todos esses segmentos sociais (em boa verdade, raciais) estavam dotados de um conjunto de direitos e deveres, numa escala gradativa que à população branca atribuía todos os privilégios e, no outro extremo da escala, à população africana quase tudo lhe era negado.
Na década de 60 o regime alargou a oferta de ensino qualificado à população da colónia, quando, até então, à população africana nada mais era oferecido que o ensino rudimentar (e, mesmo assim, apenas a uma ínfima percentagem). Os assimilados, os mestiços, as diversas comunidades asiáticas e os sectores mais desfavorecidos da população branca (também os havia) tinham, no limite das suas posses e interesses, oportunidade de oferecerem aos seus filhos um ensino técnico, nas escolas comerciais e industriais. O liceu era, no início da década de 60, uma marca distintiva apenas frequentado pelos filhos das classes médias e alta da população branca e, muito raramente, por um ou outro assimilado ou asiático. Em 1967 quando entrei no 1.º ano do 1.º ciclo do Liceu António Enes, em Lourenço Marques, apenas um aluno da turma, entre 32, era africano. Nos anos mais adiantados do 2.º e 3.º ciclos eram praticamente inexistentes. E a situação era ainda mais evidente no outro liceu da cidade, o Salazar, incrustado no coração dos bairros brancos da cidade, entre a Ponta Vermelha, a Polana e o Sommerschield, frequentado pelos filhos da elite branca, sobretudo. O Liceu António Enes, já no Alto-Mahé, estava mais próximo dos bairros da periferia, o «caniço».



Um amigo do «Companhia de Moçambique», o António Garcia, fez chegar até nós algumas imagens das escolas técnicas de Lourenço Marques, retiradas de um livro de Joaquim Oliveira Boléo [Moçambique. Pequena Monografia, Agência-Geral do Ultramar, Lisboa, 1961].
A qualidade da imagem aqui reproduzida quase não o permite ver mas a maioria dos estudantes ali figurados não são brancos, como de resto o atesta a imagem mais abaixo, retratando o funcionamento de uma aula.

Mas a mais emblemática fotografia das que são reproduzidas no livro de Oliveira Boléo é a que retrata uma cena na cantina da Escola Comercial. Candida e alegremente sentadas à volta da mesa, uma europeia, uma africana, uma chinesa e uma indiana, representam, em cena obviamente montada, o «mosaico da integração» que o regime colonial tanto gostava de apregoar nas suas peças de propaganda. Datado de 1961 e editado pela Agência-Geral do Ultramar, o livro de Oliveira Boléo bem pode ser considerado como a primeira peça de propaganda dessa nova ideologia do regime tardo-colonial que seria conhecida como a «psico-social».

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