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10.4.10

Na sua pujança imperial 
Em 1909, nas vésperas da República, o edital da Companhia de Moçambique que aqui se reproduz (amavelmente cedido por Francisco Castelo), estabelece o seu quadro de actuação e apresenta o seu potencial:

"A Companhia de Moçambique chama a attenção dos commerciantes, industriaes e capitalistas para o Territorio de Manica e Sofala, collocado sob a sua administração, com uma superfície aproximada de 16.000.000 de hectares, onde as riquezas naturaes, conhecidas de ha seculos, teem sido confirmadas sobejamente pelas explorações ali realizadas nos tempos modernos.
A cidade da Beira, já hoje uma das mais importantes de toda a costa oriental de Africa, capital do Territorio de Manica e Sofala, é testa do caminho de ferro directo para o Rhodesia, que se está tratando de prolongar até ás valiosas minas da Katanga, e dentro em pouco será também a estação terminus da nova linha de caminho de ferro da Beira ao Zambeze, cujos estudos estão concluidos e que atravessará regiões fertilissmas e de grande riqueza em madeiras e borracha. A cidade da Beira é servida ainda por um magnifico porto; frequentado pelos vapores das principaes empresas de navegação; está ligada com Quelimane pelo cabo sub-marino e assim em communição directa com a metropole; e num futuro proximo será uma das testas do primeiro caminho de ferro transcontinental africano, sendo a outra o porto do Lobito.
A Companhia de Moçambique é administrada sob a fiscalização do Governo de Sua Majestade tanto na Europa como em Africa, mas tem uma legislação especial para o seu Territorio conducente a chamar para ali todos os que dispõem de elementos efficazes para se entregarem a todos os ramos da agricultura, do commercio e da industria. Sob este importante ponto de vista já a Companhia de Moçambique regulamentou o trabalho dos indigenas e o seu recrutamento, procurando assim assegurar aos seus concessionarios a mão de obra sem a qual os capitaes não podiam tornar-se productivos.
Existem no Territorio da Companhia de Moçambique vastíssimos e uberrimos territorios proprios para as grandes culturas de quasi todos os productos vegetaes e extracção da borracha, tão apreciada nos mercados de Londres e Hamburgo, e para as plantações de palmeiras e de algodão. A cultura da canna saccharina e a fabricação do assucar e do alcool estão já em plena actividade no mesmo territorio, empregando milhares de braços. Para poder fornecer informações uteis e seguras aos que pretendem dedicar-se ali a quaesquer emprehendimentos agrícolas, fundou a Companhia de Moçambique dois jardins de ensaio, um a 36 kilometros da Beira, junto á linha ferrea no sitio denominado M'Zimbite, e o outro nas proximidades da estação do Revué, superiormente dirigidos por um profissional muito competente. A pesquisa e exploração do quartzo aurifero e dos minerios de cobre continua a fazer-se sob os melhores auspicios, nomeadamente depois da descoberta da mina Paradox, que veio certificar a incalculavel riqueza da região de Manica.
É tambem muito notavel a riqueza pecuaria de todo o Territorio de Manica e Sofala, de que dão prova as grandes manadas de gado bovino pertencentes á Companhia de Moçambique.
Na sede da Administração da Companhia de Moçambique - Rua do Alecrim 45, Lisboa - e nos escritorios dos seus Comités - Boulevard Haussmann, 17 - Paris - Aústin Friars 13 - Londres - bem como na Secretaria-Geral do Governo do Territorio de Manica e Sofala - Beira, Africa Oriental - prestam-se todos os esclarecimentos relativos ás condições em que o trabalho e o capital podem encontrar proveitosa collocação no Território administrado pela Companhia de Moçambique."


Porventura a parte mais significativa seja a que se refere à arregimentação da mão-de-obra africana. Que o Estado português desde muito cedo se tenha preocupado em definir o enquadramento jurídico mais adequado aos seus desígnios políticos e económicos, explorando a força de trabalho africana, por via do trabalho obrigatório e de um quadro penal discricionário, configurando situações muito próximas da escravatura, é algo já sobejamente conhecido e discutido. Menos conhecido é o facto de ter permitido que interesses económicos privados pudessem regulamentar, com força de Lei nos seus territórios, o regime do designado "trabalho indígena".

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